Durante muitos e fartos anos os eventos culturais eram quase inexistentes no nosso país. Quem quisesse assistir a um concerto musical tinha de contentar-se com bandas portuguesas ou festivais de folclore, exposições de pintura e escultura dificilmente aconteciam, as peças de teatro raramente podiam ser vistas fora de Lisboa e Porto, enfim, culturalmente estávamos pouco acima da nulidade. Mas os tempos mudaram e hoje em dia a oferta é tão vasta que chega a tocar o exagero e muitas vezes me questiono se existe mercado para tantos concertos, festivais, exposições, etc. Seja como for, com exageros ou não, é satisfatório saber que qualquer um de nós tem à sua disposição uma vasta gama de eventos, nas mais variadas áreas e que o acesso à cultura é uma realidade bem publicitada, seja nos orgãos de comunicação tradicionais, em outdoors colocados ao longo das estradas, em publicidade de patrocinadores e mais recentemente na Internet, através de mail ou nas redes sociais. Com tanta forma de divulgação é quase impossível não sabermos as datas e horas dos eventos que nos interessam. Serve esta minha introdução para afirmar que nos dias de hoje só não frequenta eventos culturais quem não quer.
Sendo certo que existem eventos com mais exposição mediática e maior afluência que outros, não deixa de ser verdade que, seja qual for o evento, todos merecem o respeito do público alvo. É evidente que um concerto rock tem um público diferente de uma peça de teatro e bem distinto do público de uma exposição de pintura ou de uma apresentação literária. Daí existirem diferentes formas de publicitar cada evento, sempre de acordo com o público alvo e considerando as perpectivas de afluência. É perfeitamente natural que para publicitar um concerto musical vejamos inúmeros cartazes espalhados pelas ruas e que para publicitar a apresentação de um livro se dê mais importância aos meios audio-visuais e à Internet. Ninguém espera que um dos concertos de verão seja visto por meia dúzia de espectadores nem que a apresentação de um livro tenha uma assistência de milhares. Mas existem extremos que merecem reflexão.
Perante evidências tão flagrantes não deixa de fazer sentido a minha indignação pelo que adiante relatarei.
O poeta Nuno Guimarães, autor do livro "Rio que corre indiferente" (editado em 2009) cuja sessão de lançamento aconteceu no Porto, resolveu fazer uma sessão de apresentação do livro no Auditório do Campo Grande em Lisboa. Segundo o autor, a ideia de fazer esta apresentação surgiu pela pressão de umas dezenas largas de amigos do facebook que devido à distância não puderam estar presentes no Porto. Pelas suas próprias palavras, o entusiasmo era enorme e justificava esta deslocação do autor até à capital. Assim sendo, ficou o evento marcado para ontem, dia 10 de Julho, às 15.30. Chegada a hora de dar início ao evento, o autor não cabia em si de surpresa pela afluência. Para além do autor estiveram nesta sessão Álvaro Vaz e Giedre Sadeikaite, amigos do autor que o acompanharam na viagem desde o Porto, Paulo Afonso Ramos e a esposa Ana, em representação da editora e... eu. Dos cerca de cinquenta amigos do facebook que confirmaram presença nem sombras. O que explica esta situação? O mundial? Não havia jogo a essa hora. O calor convidava uma ida à praia? O Verão não é só uma tarde. Ah! Já sei! Como não existem eventos culturais no nosso pais e os que existem são mal divulgados, as pessoas que tanto insistiram nesta apresentação não sabiam da data, da hora e do local... deve ser isso.
Não se pense que este é um caso isolado porque algum tempo atrás sucedeu o mesmo com a autora Manuela Fonseca, que perante a insistência de dezenas de amigos do facebook foi ao Porto fazer a apresentação do seu romance e só estiveram nove pessoas. Como diz o povo: " Com amigos assim quem precisa de inimigos?"
Como nota final quero dizer que, mesmo poucos, nós os seis(6) fizemos desta sessão um evento descontraído mas memorável apesar do evidente e natural desânimo do autor. Falámos de cultura ou falta dela e recitámos poesia em português e lituano (Geidre é lituana) num ambiente quase familiar que durou cerca de duas horas.
E depois ainda dizem: Ah e tal... não há eventos culturais!
MANU DIXIT